quinta-feira, janeiro 25, 2007

O Aluno Perfeito



Era uma vez um jovem casal que estava muito feliz. Ela estava grávida e eles esperavam com grande ansiedade o filho que iria nascer. Transcorridos os nove meses de gravidez ele nasceu. Ela deu à luz um lindo computador!

Que felicidade ter um computador como filho! Era o filho que desejavam ter! Por isso eles haviam rezado muito durante toda a gravidez, chegando mesmo a fazer promessas. O batizado foi uma festança. Deram-lhe o nome de “Memorioso” porque julgavam que uma memória perfeita é o essencial para uma boa educação. “Memorioso” era o apelido de um homem extraordinário, de memória absolutamente perfeita, cuja estória Borges descreveu no seu conto “Funes, o Memorioso”.

Educação é memorização. Crianças com memória perfeita vão muito bem na escola e não têm problemas para passar no vestibular. E foi isso mesmo que aconteceu. Memorioso memorizava tudo que os professores ensinavam. Mas tudo mesmo. E não reclamava. Seus companheiros reclamavam, diziam que aquelas coisas que lhes eram ensinadas não faziam sentido. Recusavam-se a aprender. Tiravam notas ruins. Ficavam de recuperação.

Mas isso não acontecia com Memorioso. Ele memorizava com a mesma facilidade a maneira de extrair raiz quadrada, reações químicas, fórmulas de física, acidentes geográficos, populações de paises longinquos, datas de eventos históricos, nomes de reis, imperadores, revolucionários, santos, escritores, descobridores, cientistas, palavras novas, regras de gramática, livros inteiros, linguas estrangeiras. Sabia de cor todas as sonatas já compostas pelos músicos, todos os poemas já escritos, todos os quadros já pintados A memória de Memorioso era perfeita. Só tirava dez. Isso era motivo de grande orgulho para os seus pais. E os outros casais, pais e mães dos colegas de Memorioso, morriam de inveja. E quando os filhos chegavam em casa trazendo boletins com notas em vermelho eles gritavam: “ Por que você não é como o Memorioso?”

Memorioso foi o primeiro no vestibular. O cursinho que ele frequentara publicou sua fotografia em outdoors. Apareceu na televisão como exemplo a ser seguido por todos os jovens. Na universidade foi a mesma coisa. Só tirava dez. Chegou, finalmente, o dia tão esperado: a formatura. Memorioso foi o grande heroi, elogiado pelos professores. Ganhou medalhas e mesmo uma bolsa para doutoramento no M.I.T.

Depois da cerimônia acadêmica, o jantar. E estavam todos felizes no jantar quando uma linda moça se aproximou de Memorioso, sorridente: “ Sou repórter e gostaria de lhe fazer uma pergunta”, ela disse. “Pode fazer”, disse Memorioso confiante. Ele sabia todas as respostas. Aí ela fez a pergunta: “De tudo o que você memorizou da ciência, da história, da cultura, o que é que mais lhe deu prazer?

Memorioso ficou em silêncio. Aquela pergunta nunca lhe havia sido feita. Os circuitos de sua memória funcionavam com a velocidade da luz procurando a resposta. Mas a resposta não estava registrada na sua memória. Onde poderia estar? Seu rosto ficou vermelho. Começou a suar. Sua temperatura subiu. E, de repente, seus olhos ficaram muito abertos, parados, e se ouviu um chiado estranho dentro de sua cabeça, enquanto fumaça saia por suas orelhas. Memorioso primeiro travou. Deixou de responder aos comandos. Depois apagou, entrou em coma.

Levando às pressas para o hospital de computadores verificaram que seu disco rígido estava irreparavelmente danificado. Há perguntas que a memória não pode responder. Para respondê-las é preciso coração.

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